publicações
Artigo
Cláusula de Incomunicabilidade
Priscila Garcia
Conforme apresentamos no artigo “Como vender um imóvel que possui cláusula de inalienabilidade”, elaborado por Priscila Garcia, que você pode conferir [aqui], além da cláusula de inalienabilidade, existem outras duas que também são limitações ao direito de propriedade de um indivíduo: as cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade. Neste artigo, daremos continuidade a este tema falando mais sobre a cláusula de incomunicabilidade.
Primeiramente, insta salientar que, apesar de a cláusula de inalienabilidade implicar automaticamente em impenhorabilidade e incomunicabilidade, a recíproca não é a mesma. A cláusula de incomunicabilidade não impede a alienação do bem gravado, ou seja, o direito de dispor do bem não sofre qualquer restrição.
A denominada cláusula de incomunicabilidade é uma forma expressa (escrita) na doação de bens ou direitos, do testador ou doador, de determinar que o bem (ou direito) recebido em doação, herança ou legado, não irá se comunicar (transferir) por ocasião do casamento. Desta forma, esta cláusula impede que o bem entre na comunhão em razão de casamento, união estável ou união homoafetiva, independentemente do regime adotado para a união. Em outras palavras, caso este gravame seja instituído no bem ou conjunto de bens, este(s) integrará(ão) somente o patrimônio particular do beneficiário. Por se tratar de uma cláusula vitalícia, ela se extingue com a morte do beneficiário.
Nesta senda, o art. 1.668 do Código Civil de 2002 dispõe que são excluídos da comunhão os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar, bem como as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade.
Portanto, a cláusula de incomunicabilidade é utilizada para fins de exclusão de determinado bem da partilha no âmbito do regime de casamento de comunhão universal de bens. Nos demais regimes (comunhão parcial, separação de bens ou participação final nos aquestos) essa cláusula não é aplicável, haja vista que, nestes regimes, os bens recebidos por meio de doação ou herança a apenas um dos cônjuges não passará a integrar os bens comuns do casal, sendo pertencente apenas ao cônjuge que recebeu a doação/herança. Desta forma, não há necessidade de instituição da cláusula de incomunicabilidade nestes casos.
Destaca-se, ainda, que a cláusula de incomunicabilidade pode ser livremente instituída sobre a parte disponível do patrimônio de um indivíduo, ou seja, sobre a metade dos bens que uma pessoa pode dispor livremente, da forma que desejar, ao contrário da parte legítima, que representa a parte intocável do patrimônio de um indivíduo, destinada aos herdeiros necessários (pais, filhos e cônjuge, a depender do regime de casamento).
Assim, a cláusula de incomunicabilidade só poderá ser instituída sobre os bens da legítima mediante justa causa para tanto – uma causa que evidencie os motivos, as condições, as circunstâncias, ou a justificativa do estabelecimento da cláusula de incomunicabilidade sobre os bens da legítima dos herdeiros necessários. Vale mencionar que o termo “justa causa” é de conceito aberto ou indeterminado, devendo ser analisado pelo juiz no caso concreto. Com isso, a indicação da justa causa deve trazer um motivo sério, para que não haja risco de alteração da vontade do testador, tornando-a ineficaz.
Caso a justa causa não esteja presente como justificativa no testamento, o art. 1.848 do Código Civil/02 determina que não pode o testador estabelecer cláusula de incomunicabilidade sobre os bens da legítima – apenas sobre os bens da parte disponível do patrimônio do testador. O artigo 2.042, por sua vez, estabeleceu o prazo de um ano para que, nos testamentos feitos antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, o testador pudesse aditar o testamento, declarando a justa causa da cláusula aposta à legítima. Ocorrendo a abertura da sucessão após expirado o prazo de um ano, as cláusulas restritivas não justificadas seriam tidas como não escritas, sem qualquer comprometimento da validade do testamento.
Dito isto, a cláusula de incomunicabilidade pode ser:
- Cancelada, pela via do acordo: retificando-se a escritura de doação em que a cláusula de incomunicabilidade foi imposta (caso o doador ainda esteja vivo);
- Transferida, pela via da sub-rogação: exclusão da cláusula do imóvel e a transferência do gravame para outro imóvel de valor similar.
Por fim, importante notar que, por se tratar de limitação ao direito de propriedade, incluindo possível limitação de direito de terceiros, se faz necessária a autorização judicial para sub-rogação da referida cláusula. Dessa forma, a sub-rogação das cláusulas restritivas, inclusive da cláusula de incomunicabilidade, não ocorre de forma automática, necessitando de apreciação judicial em procedimento de jurisdição voluntária nos termos do art. 725, II, do Código de Processo Civil de 2015, para que se analise se houve justa causa e se com a sub-rogação estará sendo cumprida a vontade do doador/testador, bem como preservados interesses de terceiros, evitando a perpetuidade da limitação ao direito de propriedade com sucessivas sub-rogações.