Succession (HBO): poder, família e a sobrevivência de uma empresa em tempos complexos.

Nesta semana vamos falar sobre a série Succession, drama original da HBO, que desde 20218 vem cativando crítica, público e ganhando os principais prêmios da televisão. Neste mês foi encerrada a terceira temporada, com renovação garantida para a quarta temporada, ainda sem data confirmada para o retorno.

Succession conta história da disputa pela sucessão da presidência da Waystar Royco, conglomerado estadunidense que atua nos campos do jornalismo, audiovisual, entretenimento, parques e cruzeiros, com sede em Nova Iorque-NY. Fundada há várias décadas pelo patriarca Logan Roy (Brian Cox), imigrante irlandês, hoje em idade avançada e com problemas de saúde, três dos seus quatro filhos vivem em constante embate para conseguir posições de importância na empresa e alcançar o cargo de CEO. Lutam para atender às expectativas do pai, que possui influência nos rumos políticos e econômicos dos EUA devido ao peso que seus telejornais assumiram, ao moldar o que o homem médio estadunidense com simpatia ao partido republicado deveria ou não saber e como saber.

Dos quatro filhos, o mais velho é Connor Roy (Alan Ruck), o filho do primeiro casamento de Logan Roy, que optou por ficar alheio aos negócios da família: quis desfrutar da fortuna familiar vivendo em um rancho no deserto do Novo México, colecionar itens históricos excêntricos e financiar causas como o fim do pagamento de impostos e a extinção do Estado.

Kendall Roy (Jeremy Strong), o mais velho dos três filhos do segundo casamento, é pai que tenta – sem sucesso – não ser ausente e que tenta equilibrar a vida pessoal com as demandas da vida profissional, participando da administração do império familiar. É, em tese, o sucessor natural da empresa, tem cargo de direção e está se preparando para assumir a posição de CEO, assim que o seu pai autorizar. Contudo, há problemas de aceitação do genitor, que não o vê como digno de tal posição, mesmo Kendall sendo o único filho que realmente participa ativamente das operações da empresa.

Siobhan “Shiv” Roy (Sarah Snook) é a única mulher do clã Roy. Ambiciosa e independente, quis se desvencilhar da proteção do pai e do destino natural de assumir posições na empresa profissionalmente, mas se beneficiando do poder de voto e ações que possui. Optou por desbravar carreira na política, se tornando “campaign manager” de candidatos ao Congresso dos EUA e almeja crescer até eleger algum presidente e trabalhar direto da Casa Branca;

Roman Roy (Kieran Culkin) é o filho mais novo e tem uma personalidade excêntrica, por vezes autêntica, com humor ácido que pode beirar o inconveniente; age movido por seus instintos, sendo bem aproveitado para os negócios quando precisa pensar “fora da caixa”, mas não é interessado nos pormenores das operações. Entretanto, é o que mais tem coragem de falar verdades inconvenientes e isso em muito se deve à falta de tato social.

Compõe ainda a história principal, orbitando o núcleo Roy: Tom Wambsgans (Matthew Macfadyen), namorado de Shiv, que é de origem humilde e funcionário de gerência que cresceu dentro da empresa. Tom é completamente apaixonado por Shiv e a apoia em todos os planos para que cresçam juntos dentro e fora da Waystar Royco; Greg Hirsch (Nicholas Braun), o “primo Greg”, sobrinho neto de Logan que não teve sorte em nada na vida, veio de maneira completamente aleatória pedir um emprego para o tio-avô milionário, e se submete às situações mais vexatórias e tragicômicas para ser visto como “útil” e confiável aos familiares Roy. Greg e Tom são os outsiders, formam uma aliança e uma relação que se retroalimenta, de amizade e dominação, para ambos serem aceitos pela família Roy, protagonizando verdadeiros momentos de angústia, vergonha alheia e humor sarcástico.

A família está longe de ser afetuosa e saudável emocionalmente, mas o controle mútuo é evidente e não existem um sem o outro, sobretudo em razão do pai, que é o centro gravitacional, para o bem ou para o mal. Os irmãos oscilam entre a união fraternal, para manterem o controle da empresa nas mãos da família e se apoiarem – de uma maneira um tanto torta e, por outros momentos, se digladiando entre si para atingirem seus interesses pessoais, custe o que custar.

Em um primeiro momento pode parecer que a série não tem muito de empolgante para angariar tanta audiência, pois em tese não haveria dramas suficientemente instigantes que não fossem capturar apenas os workaholics no escasso tempo de lazer, afinal, é a dinâmica de uma empresa nos bastidores. Contudo, a série brilha no roteiro, no retrato das sutilezas das relações humanas, nas interpretações de tirar o fôlego, sem falar na qualidade técnicas de locações e trilha sonora.

Os negócios não se sustentam sem as (saudáveis) relações humanas, afinal. E quando se trata de um império familiar – de capital aberto, mas ainda com o núcleo familiar no poder -, os dramas vêm à tona ainda mais rapidamente.

O cerne na série é a questão da modernização e sobrevivência da empresa, que depende da sua resiliência em atender às demandas dos novos tempos. Necessita de uma transição para o mundo digital, se posicionar nas mídias sociais e acessar plataformas de streaming para distribuir o seu conteúdo – sendo a empresa um império que se sustenta essencialmente na mídia “tradicional” da televisão. Também precisa se adequar aos valores éticos e morais da contemporaneidade, dada sua influência na sociedade e impacto de tudo que produz e como lida com o capital humano dos seus colaboradores e do seu público.

No caso, Kendall quer ser CEO para implementar novas ideais e se opõe à abordagem do pai, mas é visto com desconfiança por supostamente estar na posição apenas por ser “filho do dono”, enquanto seu pai Logan é implacável e dominador, mas está debilitado e essa incerteza quanto a sucessão reduz a credibilidade da empresa e traz instabilidade aos acionistas.

Ora, para que uma empresa como a Waystar Royco, ou qualquer outra, tenha sucesso, além das boas relações nos bastidores e, no caso das empresas familiares a estabilidade familiar que a sustenta (por vezes em aparência), há muitas variáveis a se considerar. Destas, uma é a necessidade de um corpo técnico qualificado que a mantém. Bons administradores, contadores e advogados. Estes últimos serão essenciais, por exemplo, muito além das demandas judiciais, pois há o espaço para consultas e acompanhamento diário antes, durante e após as operações.

Nisso se incluem, por exemplo, tópicos de governança corporativa, resolução de conflitos internos, formalização de programas de compliance (códigos de ética e mapeamentos de risco, por exemplo), elaboração de instrumentos jurídicos de qualidade que atendam às complexidades da operação, rearranjos societários, entre outros. Estes elementos fazem total diferença no futuro de uma empresa e nas relações que a constrói e na obra em questão isso é mostrado de maneira excepcional.

Esta série é uma ótima dica para se debruçar nas férias e fazer refletir sobre as sutilezas que regem nossas relações humanas, sendo muitas vezes os olhares e gestos tão contundentes do que as palavras. Como para tudo na vida, muito depende de uma relação de confiança e uma busca justa por sobrevivência.