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O que o caso Meta x FTC revela sobre concorrência e Big Techs?
Marina Assis & Gustavo de Oliveira Frazão

O tão aguardado julgamento antitruste entre a Meta Platforms (controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp) e a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) começou em abril de 2025 e deve durar pelo menos até o fim de junho. Em jogo está a acusação de que a Meta monopolizou ilegalmente o mercado de redes sociais pessoais ao adquirir concorrentes emergentes e potencialmente ameaçadores, como Instagram e WhatsApp.
Com aproximadamente 3,35 bilhões de usuários ativos em suas plataformas, a Meta é hoje um dos maiores conglomerados digitais do mundo. Mas o caminho até esse domínio é justamente o que está sendo questionado. A FTC sustenta que a empresa usou seu poder econômico para sufocar a concorrência e neutralizar inovações externas.
Sob a perspectiva jurídico-empresarial, o caso traz reflexões relevantes para qualquer negócio inserido na economia digital, especialmente no Brasil, onde discussões sobre concentração de mercado e poder de plataformas também ganharam força nos últimos anos.
1. Crescimento por aquisição: estratégia ou infração?
Desde a década de 2010, a Meta adotou uma estratégia agressiva de expansão baseada na aquisição de startups promissoras, especialmente aquelas que poderiam se tornar concorrentes significativas no futuro. A compra do Instagram em 2012 e do WhatsApp em 2014, por valores muito superiores à média de mercado, foi justificada, à época, como parte do esforço da empresa para fortalecer seu ecossistema digital.
No entanto, documentos internos apresentados pela FTC durante o julgamento revelam outra motivação: a percepção clara de que essas plataformas poderiam ameaçar a hegemonia do Facebook. E-mails assinados pelo próprio Mark Zuckerberg indicam preocupação com o crescimento acelerado do Instagram e com o risco de que o WhatsApp se tornasse dominante em mensagens móveis.
Para a FTC, isso comprova uma conduta estratégica de "comprar ao invés de competir", o que fere diretamente os princípios da livre concorrência. A agência argumenta que essas aquisições não foram feitas para integrar capacidades, mas sim para neutralizar ameaças futuras, algo que, mesmo aprovado na época, pode configurar abuso de posição dominante se os efeitos anticoncorrenciais forem comprovados.
- Aquisições de empresas concorrentes, especialmente em mercados digitais altamente concentrados, podem ser legalmente celebradas, mas ainda assim questionadas se se revelarem parte de uma conduta anticompetitiva estruturada.
2. Quando o passado volta à pauta: reavaliação de fusões antigas
O Instagram foi adquirido por US$ 1 bilhão em 2012. O WhatsApp, por impressionantes US$ 19 bilhões em 2014. Ambas as operações passaram pelo crivo das autoridades antitruste dos Estados Unidos, que à época não identificaram riscos concorrenciais relevantes. Contudo, mais de uma década depois, esses mesmos negócios estão sendo questionados judicialmente.
A FTC pede o desmembramento da Meta, sustentando que os efeitos dessas aquisições comprometeram, ao longo do tempo, a concorrência no setor de redes sociais, criando barreiras à entrada e enfraquecendo a diversidade de opções ao consumidor.
A discussão levanta um ponto delicado: é legítimo reabrir processos referentes a fusões aprovadas? A resposta, segundo os órgãos reguladores norte-americanos, é afirmativa, quando há indícios de que os efeitos da operação revelaram um padrão anticoncorrencial não identificado inicialmente.
Isso porque a legislação antitruste dos Estados Unidos, especialmente a Seção 2 do Sherman Act e a Seção 7 da Clayton Act, permite a reavaliação de aquisições passadas se houver prova de que elas foram usadas para manter ou fortalecer ilegalmente um monopólio. Embora a aprovação de uma fusão seja um indicativo de legalidade, ela não blinda permanentemente a empresa contra questionamentos futuros, sobretudo quando os efeitos concorrenciais se consolidam apenas com o passar dos anos.
Esse movimento não representa uma ruptura legal, mas sim uma evolução na aplicação da política concorrencial: não basta avaliar uma operação com base apenas em dados estáticos ou projeções de curto prazo. A análise de impacto concorrencial passou a incorporar uma dimensão histórica e dinâmica, especialmente nos mercados digitais, onde os efeitos de concentração podem se consolidar de forma sutil e progressiva.
- A reavaliação de atos de concentração já aprovados reflete uma mudança na postura regulatória: os efeitos da operação ao longo do tempo passaram a ter peso central na análise concorrencial.
3. Concorrência em ambientes digitais
Em mercados tradicionais, o poder de mercado costuma ser avaliado com base em preço, participação de mercado e controle de insumos. No entanto, essas métricas se mostram insuficientes no contexto digital, em que a lógica econômica é outra. Plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp são oferecidas gratuitamente aos usuários, mas, na prática, competem de forma intensa por atenção, dados, engajamento e tempo de permanência.
Esse modelo cria o que especialistas chamam de "mercado de atenção", no qual o ativo mais valioso não é o produto em si, mas o comportamento do usuário. Além disso, o funcionamento dessas plataformas se dá dentro de ecossistemas fechados, alimentados por algoritmos opacos, que muitas vezes dificultam a migração do consumidor para alternativas concorrentes, gerando o chamado lock-in effect.
O fenômeno conhecido como lock-in effect ou efeito de aprisionamento, ocorre quando os custos técnicos, sociais ou operacionais de migrar para uma plataforma concorrente se tornam tão altos que o usuário permanece na original, mesmo diante de outras opções. Isso geralmente está relacionado aos chamados ecossistemas fechados, estruturas integradas de serviços e tecnologias que funcionam bem entre si, mas impõem barreiras à compatibilidade com sistemas externos.
Na prática, o usuário pode se ver preso a uma plataforma pela dificuldade de transferir contatos, dados ou funcionalidades para um novo ambiente digital. É o que se observa, por exemplo, com os serviços da Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), que compartilham login, dados e publicidade de forma integrada, mas dificultam a portabilidade para concorrentes. Ou com o ecossistema da Apple, no qual dispositivos e aplicativos da marca funcionam em perfeita sincronia, enquanto impõem limitações à integração com serviços de fora.
Diante disso, autoridades antitruste ao redor do mundo vêm desenvolvendo novas formas de análise de poder de mercado. A dependência de rede, o controle sobre dados massivos e a falta de compatibilidade entre plataformas são hoje fatores centrais na investigação de condutas anticoncorrenciais no ambiente digital.
- Autoridades antitruste estão, cada vez mais, adaptando suas métricas a uma lógica baseada em dados, algoritmos e ecossistemas fechados.
4. O caso Meta não é isolado e o Cade está atento
Este é o terceiro processo nos EUA que busca o desmembramento de uma big tech, após ações contra o Google e a Amazon. A Apple também enfrenta processos por práticas anticoncorrenciais.
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem ampliado sua atuação no setor digital. Em novembro de 2024, a Superintendência-Geral do Cade instaurou um processo administrativo contra a Apple para investigar suspeitas de abuso de posição dominante e venda casada no sistema iOS, especialmente em razão da obrigatoriedade do uso do sistema de pagamentos da própria Apple em aplicativos distribuídos pela App Store, em detrimento de soluções concorrentes.
Em maio de 2025, o Cade manteve a exigência para que a Apple altere suas regras de cobrança, reconhecendo que a prática pode afetar diretamente a competição no setor de meios de pagamento digitais.
Além disso, em agosto de 2024, o Cade instaurou quatro procedimentos administrativos para apurar aquisições de startups de inteligência artificial por grandes empresas de tecnologia, como Amazon, Microsoft e Google. Essas investigações visam analisar se tais aquisições, mesmo realizadas fora do Brasil, podem impactar a concorrência no mercado nacional.
- Empresas brasileiras, especialmente as que atuam no setor de tecnologia, devem acompanhar atentamente esse movimento regulatório e estruturar estratégias jurídicas alinhadas ao novo mercado concorrencial.
5. Quando o sucesso cobra um novo tipo de responsabilidade
O julgamento da Meta é mais do que um embate sobre a legalidade de duas aquisições. Trata-se de uma discussão sobre o limite entre escala e abuso de poder econômico. A depender do desfecho, pode inaugurar um novo ciclo de responsabilização estrutural das grandes empresas de tecnologia.
- O caso Meta x FTC evidencia que a atuação jurídica estratégica deixou de ser apenas reativa e passou a ser um diferencial competitivo. Para empresas digitais, antecipar riscos concorrenciais e alinhar práticas de mercado às novas exigências regulatórias pode ser o passo mais importante para garantir longevidade e reputação.