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O ICMS na pauta do STF em 2021
Vitor Serenato
A pauta do Supremo Tribunal Federal esteve permeada de casos envolvendo o ICMS em 2021, sendo que ao menos três desses julgamentos merecem uma atenção especial devido ao grande impacto sobre as atividades dos contribuintes e sobre o orçamento dos estados, quais sejam:
- a decisão de inconstitucionalidade do “ICMS – Diferencial de alíquotas” nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS (ADI 5.469 e RE 1.287.019/DF);
- a decisão que reconheceu a não incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (ADC 49); e
- a decisão de inconstitucionalidade da alíquota majorada de ICMS sobre energia elétrica e sobre serviços de telecomunicação (RE 714.139);
Abaixo, passamos a analisar os principais aspectos e consequências dessas decisões.
Inconstitucionalidade do “ICMS – Diferencial de alíquotas” nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes
- O que é o “ICMS - diferencial de alíquotas”?
Nas operações de venda de mercadorias de um estado para outro (operações interestaduais), além de incidir o ICMS pela alíquota interestadual, há a incidência do ICMS pelo diferencial de alíquotas (também chamado de “ICMS – Difal”).
O “ICMS – Difal” é calculado pela diferença entre a alíquota interna do estado de destino e a alíquota interestadual prevista para operação, sendo que o valor de imposto resultante é devido ao estado de destino da mercadoria. Por exemplo, na circulação de uma mercadoria do Paraná à Bahia, o ICMS-Difal deve ser apurado e recolhido da seguinte forma:
- Alíquota interestadual: 7%;
- Alíquota interna na Bahia (estado de destino): 18%;
- Diferencial de alíquotas: 11%;
- Valor da transação: R$ 1.000,00;
- ICMS-Difal a ser recolhido em favor do Estado da Bahia: R$ 110,00.
- ICMS a ser recolhido em favor do Estado do Paraná (alíquota interestadual): R$ 70,00.
Até 2015, o ICMS-Difal incidia apenas nas operações em que o destinatário das mercadorias fosse um consumidor final e um contribuinte de ICMS. Por exemplo, a venda de materiais de escritório a uma empresa comercial varejista (contribuinte do ICMS) localizada em outro estado, que consumirá os materiais em suas atividades administrativas, está sujeita ao ICMS-Difal.
No entanto, com o advento da Emenda Constitucional n. 87/2015, passou a ser possível a incidência do ICMS-Difal também nas operações destinadas a consumidores finais não contribuintes. Aproveitando o exemplo anterior para ilustrar essa nova situação, caso a venda de materiais de escritório seja destinada a uma pessoa física ou a uma empresa prestadora de serviços (contribuinte do ISS) também haverá a incidência do ICMS-Difal.
- O que se decidiu no STF?
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.469 e no Recurso Extraordinário n. 1.287.019/DF, o STF decidiu que para a cobrança do ICMS-Difal, na sistemática trazida pela EC n. 87/2015, é imprescindível a regulamentação por meio de lei complementar. Na ausência dessa lei complementar, julgou inconstitucional vários dispositivos do Convênio ICMS n. 93/2015, que havia sido firmado entre os estados para regulamentar a EC n. 87/2015. Em outros termos, os estados não podem exercer a cobrança do ICMS-Difal sem que exista uma lei complementar regulamentado a EC n. 87/2015.
- Dada a decisão do STF e a inexistência de uma lei complementar regulamentando a EC n. 87/2015, é possível parar de recolher o ICMS-Difal nas operações destinadas a consumidores finais não contribuintes imediatamente?
Não. O STF determinou que a decisão de inconstitucionalidade passará a produzir efeitos apenas a partir de 2022. Desse modo, apenas os contribuintes que já tinham ações ajuizadas podem aplicar a decisão imediatamente e requerer a restituição dos tributos pagos no passado.
- Há alguma previsão de que seja editada uma lei complementar para regulamentação do ICMS-Difal em operações destinadas a consumidores finais não contribuintes, de modo que seja possível a incidência já em 2022?
Sim. O Projeto de Lei Complementar n. 32/2021 já foi aprovado no Senado e agora está tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Sendo publicada ainda este ano, a lei complementar poderá entrar em vigência 90 dias após a publicação.
- A decisão do STF aplica-se também ao ICMS-Difal nas operações destinadas a consumidores finais contribuintes (modalidade do ICMS-Difal que já existia antes da EC n. 87/2015)?
Não, pois a decisão de inconstitucionalidade recai especificamente sobre alguns dispositivos do Convênio ICMS n. 93/2015 que regulamentavam a incidência do ICMS-Difal nas operações a consumidores finais não contribuintes.
Ressaltamos, no entanto, que o fundamento central da decisão, no sentido de que o ICMS-Difal deve ser regulamentado por meio de lei complementar, pode ser utilizado para se desafiar judicialmente a incidência do ICMS-Difal nas operações destinadas a consumidores finais contribuintes.
Não incidência de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte
- Como se dá a incidência de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte?
A Lei Complementar n. 87/96, que traz as regras gerais de incidência do ICMS, prevê que cada estabelecimento de uma pessoa jurídica (matriz e filiais) são considerados autônomos para fins de incidência do imposto.
Com base nesses dispositivos, os estados cobravam ICMS sobre as simples movimentações de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (da matriz para filial, da filial para matriz ou entre filiais).
- O que se decidiu no STF?
Na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n. 49, o STF considerou ser inconstitucional a cobrança de ICMS nas simples transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, inclusive em operações interestaduais.
- Dada a decisão de inconstitucionalidade, é possível parar de recolher o ICMS nessas operações imediatamente?
Não. A decisão ainda não foi julgada em definitivo, pois está pendente a definição de quando começará a produzir efeitos. O provável é que a decisão produzirá efeitos somente a partir de 2022, resguardando-se o direito de contribuintes que já tinham discussões judiciais ou administrativas em curso, que poderão deixar de recolher imediatamente ou solicitar a recuperação de tributos recolhidos a maior no passado.
- Com a não incidência de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos, como fica a apuração de créditos de ICMS nessas operações?
Essa é outra questão que ainda está pendente de definição no julgamento. O Min. Roberto Barroso, no entanto, propôs em seu último voto que a decisão passe a produzir efeitos a partir do início de 2022 e, se até lá, os estados não disciplinarem em legislação própria (inclusive mediante convênios) a sistemática de transferência de créditos, os contribuintes terão direito de aproveitá-los independentemente de regulamentação.
Esclarecemos, no entanto, que alguns contribuintes obtiveram, individualmente, decisões judiciais favoráveis para viabilizar a manutenção e aproveitamento de créditos de ICMS, até mesmo em operações interestaduais de transferência de mercadorias.
Inconstitucionalidade da alíquota de ICMS majorada incidente sobre energia elétrica e sobre serviços de telecomunicação
- Incidência de ICMS sobre energia elétrica e serviços de telecomunicação
Além de incidir sobre a circulação de mercadorias comuns, o ICMS também é cobrado sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações. A tributação sobre esses últimos itens, apesar da sua inegável essencialidade, é mais pesada do que aquela incidente sobre outras mercadorias de uso e consumo não essenciais. No Paraná, por exemplo, a energia elétrica e os serviços de telecomunicação são tributados à alíquota de 29%, enquanto a alíquota ordinária e residual é de 18%.
- O que se decidiu no STF?
No Recurso Extraordinário n. 714.139 (Tema de Repercussão Geral n. 745) o STF decidiu ser inconstitucional a legislação estadual que estipula alíquotas de ICMS sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações maiores que a alíquota ordinária e residual. O fundamento central da decisão foi justamente a essencialidade dos itens afetados por essa tributação maior.
No caso concreto, decidiu-se pela inconstitucionalidade da alíquota de 25% aplicada pelo Estado de Santa Catarina sobre a, enquanto as operações ordinários e residuais eram tributadas à alíquota de 17%. No entanto, por ter sido proferida em regime de Repercussão Geral, a decisão do STF deve ser observada por todos os tribunais inferiores.
- É possível recuperar os tributos pagos a maior no passado?
A princípio, os contribuintes consumidores finais de energia elétrica e de serviços de telecomunicações têm o direito de entrar na justiça para requerer a restituição relativa à diferença entre a alíquota majorada e a alíquota padrão.
No entanto, para contribuintes que tomam créditos de ICMS sobre esses itens (indústrias) entrar com um pedido de restituição pode não ser interessante pela necessidade de estornar o valor dos créditos na proporção da redução de alíquotas.
Por fim, ressaltamos que o julgamento do STF ainda não é definitivo, embora o mérito não possa mais ser alterado. É provável, assim como nos casos do ICMS-Difal e de ICMS na transferência de mercadorias, que o STF determine que a decisão produza efeitos apenas a partir do início do ano que vem. Nesse caso, apenas os contribuintes que já tinham ações ajuizadas poderão recuperar os tributos recolhidos a maior.