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VLMA Indica Especial Dia Internacional da Mulher: 3 filmes sobre mulheres inspiradoras e como o Direito tem tudo a ver com isso

Paula G. do Carmo

No VLMA Indica especial do Dia Internacional da Mulher, falaremos da condição da mulher contemporânea a partir de três obras cinematográficas, que contam histórias fascinantes sobre mulheres brilhantes que mudaram o mundo, cada uma a sua maneira, apesar de todas as barreiras impostas pelo fato de serem mulheres: 

  • Ruth Bader Ginsburg, ex-juíza da Suprema Corte Americana, pelo documentário “A Juíza” de 2016, no original “RBG”, indicado ao Oscar, e o filme biográfico-ficcional “Suprema” de 2018, com título original “On the basis of sex”, onde foi interpretada por Felicity Jones. 
  • Três cientistas afro-estadunidenses pioneiras na NASA, que foram fundamentais na missão espacial de chegada à lua na década de 1960: Katherine Johnson (matemática responsável por calcular a trajetória de Alan Shepard na missão Apollo 11, interpretada por Taraji P. Henson); Dotothy Vaughan (primeira mulher negra a ser promovida a chefe de departamento na NASA, interpretada por Octavia Spencer); e Mary W. Jackson (primeira mulher negra contratada como engenheira na NASA, interpretada por Janelle Monáe), no filme biográfico-ficcional “Estrelas além do tempo” (2016), no original “Hidden Figures”, indicado ao Oscar.

Hoje o direito de igual consideração e tratamento não distintivo entre homens e mulheres é tido como uma realidade dada, uma certeza jurídica, mas não é  assim há muito tempo e muitas vezes é apenas “no papel”, diferente nas relações diárias.

 A arte imita a vida 

A história de Ruth Bader Ginsburg é especialmente tocante ao campo jurídico: se graduou na universidade de Cornell na década de 50, passou pela Faculdade de Direito de Harvard e foi uma das 6 alunas mulheres da turma em uma classe de 500 alunos (homens). O reitor da universidade certo dia questionou as alunas sobre porquê estavam lá, ocupando a vaga que deveria ser de um homem. No ano que estudou em Harvard ficou entre os 25 melhores da turma. Esposa e mãe, precisou se mudar e se transferiu para a Universidade de Columbia (NY/NY) para acompanhar o esposo advogado Marty Ginsburg, e lá se formou. Contudo, não conseguiu emprego, pois os escritórios de advocacia da cidade de Nova Iorque não contratavam mulheres. Ela tinha o currículo impecável e indicações relevantes, mas era considerada uma pessoa inferior por ser mulher.

Assim, Ruth seguiu a carreira como professora universitária e começou a pesquisar sobre discriminação de gênero nas leis estadunidenses. A partir dos trabalhos teóricos dentro da Universidade, foi uma das cofundadoras do influente grupo Women’s Rights Project, da American Civil Liberties Union (ACLU) e começou a advogar em causas que havia discriminação injustas baseadas no gênero. Seus casos chegaram até a Suprema Corte dos EUA algumas vezes e foram criados precedentes que mudaram totalmente os rumos do Direito daquele país em vistas de reinterpretar a emenda daquela Constituição sobre a igualdade perante a lei, em relação às mulheres. Não poderia mais haver tratamento diferente – desprestigiado, como menores salários, menos direitos previdenciários – pelo fato de ser mulher. Não poderiam ser impedidas de ingressar em escolas até então apenas para homens. 

Seu trabalho a fez ser indicada em 1980, pelo presidente democrata Jimmy Carter, para integrar a Corte Federal de Apelações de Washington. Na oportunidade, foi então a vez de seu esposo acompanhá-la na mudança de Nova Iorque para Washington D.C. Em 1993 o presidente democrata Bill Clinton a indicou como uma integrante entre os nove juízes da Suprema Corte de Justiça dos EUA, ratificada pelo Senado. Ela foi a segunda mulher a entrar para a máxima instância daquele judiciário, após Sandra Day O’Connor. 

Ruth se tornou um ícone da cultura pop a partir de meados dos anos 2010, e foi conhecida pela dissidência na Corte, seus votos com a tese minoritária, se colocando sempre como uma voz que destoa, mas que leva a um aprofundamento das discussões. Foram 27 anos na Suprema Corte e faleceu em 2020, viúva de Martin desde 2010, mãe de dois filhos e avó.

Em “Estrelas Além do Tempo”, as profissionais matemáticas e engenheiras, além da barreira racial, também eram as únicas mulheres em departamentos inteiros formados apenas por homens. Katherine, Mary e Dorothy tentaram conciliar os papéis de pesquisadora, profissional, mãe e esposa e mesmo tendo méritos altíssimos, levaram anos para terem o mesmo reconhecimento entre seus pares. Inclusive existiu a questão da permissão excepcional para se frequentar aulas avançadas de matemática na Universidade, que eram no turno da noite. Na época apenas homens eram autorizados a estudar no turno da noite. Como competir em pé de igualdade com esses impedimentos chancelados pela lei? Era (e ainda é) um problema estrutural.

Na década seguinte Ruth Ginsburg foi uma das vozes para mudar essas situações reforçadas pelas instituições e normalizadas no dia a dia.

 

 A lei limitando a vida 

Se nos EUA até a época de atuação de Ruth como advogada a lei permitia abertamente a discriminação de mulheres, no Brasil não foi diferente. 

Durante a vigência do Código Civil de 1916, por exemplo, as mulheres quando casadas precisavam da permissão do marido para litigarem em juízo, ou seja, eram relativamente incapazes, independente da idade. Até a promulgação do Estatuto da Mulher Casada (1962), mulheres precisavam da autorização expressa do cônjuge para admissão em trabalho. 

Ainda que a igualdade entre homens e mulheres estivesse chancelada juridicamente desde a constituição de 1934, na prática social e nas leis que regiam a vida civil havia um abismo entre o que seria digno para as mulheres. Inclusive, o voto feminino instituído apenas em 1932 considerava a participação feminina como “café com leite”, pois não era obrigatório para mulheres e idosos. As prerrogativas, direitos e deveres eleitorais de homens e mulheres foram equiparados, tornando o voto obrigatório às mulheres, apenas com o Código Eleitoral de 1965. 

Apenas a partir da Constituição de 1988 que juridicamente houve alteração substancial na forma de interpretação das leis, no sentido de afastar discriminação de gênero contra mulheres e enfim atribuindo autonomia decisória, o que permitiria escolher estudar, trabalhar e alcançar lugares de liderança até então nunca alcançados por outras mulheres e, agora, com menos impedimentos. Além dos tradicionais papéis de dona de casa e/ou mãe, começou a se abrir espaço para novas possibilidades e a coexistência de projetos de vida.

 Protagonista no “filme” da sua vida 

Esses filmes e tantos outros de mulheres também brasileiras, com histórias fascinantes, como a psiquiatra Nise da Silveira (filme “Como fala o coração” de 2015), e outras que ainda não têm cinebiografias, só demonstram uma faceta importante da mulher, que é a sua capacidade incalculável de criar possibilidades e tomar as rédeas da sua história. Contudo, nenhuma daquelas mulheres retratadas chegaram aonde chegaram sozinhas.

O que se busca com a igualdade de gênero não é assumir para si apenas mais responsabilidades, mas sim uma reorganização dos papéis que se assumem e assim ser capaz de exercer essa liberdade – jurídica e factual – de verdade. 

Mulheres são pessoas de carne e osso, não devem (ou não deveriam) levar o mundo nas costas e salvar o mundo. Precisam estar juntas e ter uma rede de apoio daqueles que os cercam e lhes querem bem, sejam cônjuges, pais, mães, filhos, amigos. Sem culpa, sem pesos e medos que não deveriam lhes caber. Que sejamos nossa melhor versão, mas se possível bem amparadas e sem abdicar do que verdadeiramente nos alegra o coração.

data: março/2022

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