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O dever de Diligência na administração das companhias

Fernanda Klamas

O dever de diligência regulado pelo artigo 153 da Lei n.º 6404/76 (Lei das Sociedades por Ações) foi criado com o objetivo de trazer para a as companhias uma maior especialização das funções a serem desempenhadas pelos membros dos órgãos de administração. De acordo com a legislação:  

“Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.”

Também conhecido no exterior como “duty of care” o dever de diligência resulta um padrão de conduta que deve ser seguido pelos administradores. Tais padrões não são especificados na legislação pois devem ser interpretados de forma individual na tomada de decisões e ações desempenhadas pelos membros dos órgãos de administração. 

Importante destacar que, quando se fala em órgãos de administração, estamos tratando tanto do conselho de administração quanto da diretoria. Portanto, tal dever deve recair tanto sobre os membros do conselho quanto sobre os diretores eleitos. 

O dever de diligência traz um debate bastante complexo no que tange as atividades dos administradores. Por um lado, os diretores e membros do conselho de administração devem agir sempre com eficiência, liberdade e autonomia respeitando os interesses sociais da companhia. Por outro lado, em uma linha muito tênue, existem os padrões de conduta esperados quando da investidura de tais cargos, que serão melhor tratados a seguir.  

Acerca dos padrões de conduta dentro do dever de diligência, é importante destacar que, ele é análogo a uma obrigação de meio e não de resultado, ainda que resulte em prejuízo. Por exemplo, não necessariamente uma decisão tomada pelos membros dos órgãos de administração que tiverem um resultado negativo serão caracterizadas como não diligentes e, portanto, tais administradores não poderiam ser responsabilizados nesse sentido, pois a atividade está sempre conectada aos riscos inerentes a atividade empresarial. 

Da mesma forma, uma atividade não diligente pode eventualmente suceder um resultado positivo para a companhia, e, tal fato também não deveria gerar um dever de reparação para o respectivo administrador. Isso, pois, neste cenário, não teria reparação a ser realizada, vez que foram observadas indiligências por parte dos administradores, caberia ao órgão que o elege o destituir caso entenda necessário. 

No tocante ao dever de diligência, a doutrina atual divide tal dever em diversos sub deveres, com diferentes nomenclaturas, porém são sete os principais deles, quais sejam: (i) Dever de se qualificar; (ii) Dever de bem administrar; (iii) Dever de assiduidade; (iv) Dever de se informar; (v) Dever de vigilância; (vi) Dever de investigar; e (vii) Dever de intervir, conforme abaixo. 

 

1. Dever de se qualificar: o  sub dever de se qualificar representa a necessidade do administrador, no momento da sua investidura, deter conhecimento técnico ligado ao cargo que irá desempenhar. Por exemplo, o conselheiro de administração deve deter diversos conhecimentos inerentes a sua função, porém dele não será exigido um mesmo conhecimento financeiro de um membro eleito para ocupar o cargo de diretor financeiro.

Inicialmente a avaliação cabe ao órgão que elege, ou seja, a avaliação dos membros do conselho de administração se dá pelos acionistas em assembleia geral e a eleição dos diretores se dá pelo conselho de administração. A avaliação deve ser feita de forma eficiente, por meio de análise de currículos, contato com terceiros, entrevistas, dentre outros meios que a companhia considerar pertinente. 

Além das companhias, os próprios administradores devem se responsabilizar por gozar dos conhecimentos que o cargo exige. Um exemplo claro de constatação do dever de qualificação é quando da análise de documentos que diretores ou conselheiros deveriam saber questionar, porém por falta de conhecimento ou simples falta de atenção deixam de fazer e tal fato gera prejuízos para a companhia. 

 

2. Dever de bem administrar: o sub dever de bem administrar representa a necessidade de atuação dos administradores sempre observando o interesse da companhia e observando um padrão de conduta geral. Ele é o sub dever mais genérico da lista por se relacionar com todos os demais. 

 

3. Dever de assiduidade: o sub dever de assiduidade representa a obrigação que os administradores assumem não só em comparecer as reuniões e assembleias do respectivo órgão, mas também se apresentar ao exercício das suas funções de forma assídua a todos os compromissos pertinentes ao exercício do seu cargo. 

 

Importante ressaltar que deve ser sempre observada uma razoabilidade quando do agendamento de compromissos e reuniões e deve ser levado em conta a função específica do administrador, bem como o momento em que a companhia está passando. Por exemplo quando a companhia está com um determinado processo que exija ações imediatas a presença dos membros da administração deverá ser mais assídua. 

 

4. Dever de se informar: o sub dever de se informar representa a responsabilidade do administrador, ao longo do mandato, de se manter informado do andamento dos negócios da companhia em geral, mas em especial as matérias de sua responsabilidade. O administrador deve sempre se assegurar que dispõe de informações mínimas, confiáveis e se o tempo para analisar determinada matéria é suficiente. 

 

Muitas vezes, na rotina das companhias  o tempo é considerado insuficiente para análise de determinadas matérias, porém se trata de decisões inadiáveis. Nesse caso, o administrador deve sempre fazer ressalvas nesse sentido quando for expor a sua decisão ou em alguns casos deve até se abster de tomar decisões que possam prejudicar a companhia, sempre observando a razoabilidade, para que não seja responsabilizado nesse sentido. 

 

5. Dever de vigilância: o sub dever de vigilância diz respeito a responsabilidade dos administradores manterem postura atenta que permita acompanhar as situações da companhia em que ele deva intervir. 

 

O padrão de exigência do dever de vigilância deve ser correspondente as suas funções. Novamente deve ser feito um juízo de razoabilidade e proporcionalidade com o cargo exercido. 

 

6. Dever de investigar: O sub dever de investigar decorre do dever de se informar e monitorar. Ou seja, ante a uma informação ou situação relevante o administrador deve investigar com detalhes. A análise deve ser feita envolvendo o custo envolvido para se detalhar as informações com base na realidade da companhia, dentre outros fatores. 

 

No caso do dever de investigar, a análise da informação que se identifica como relevante já foi feita no exercício do dever de monitorar e consequentemente pelo exercício do dever de investigar se realiza uma análise mais aprofundada do tema em questão. Considerando que não se pode esperar que membros dos órgãos de administração detenham conhecimentos sobre todas as matérias de forma aprofundada pode ser considerada a hipótese de se contratar terceiros especializados no tema, com base em formação técnica e confiável. 

 

7. Dever de intervir: O último sub dever, o dever de intervir, decorre, de certa forma, das situações em que o administrador constata um fato que necessita de intervenção por sua parte, por exemplo um prejuízo para a companhia que necessita da sua intervenção para cessar tal fato. 

 

Por exemplo, no caso em que um diretor não exerça corretamente suas funções, os membros do conselho de administração deveriam intervir e eventualmente até destituir o membro, para que tal fato cesse. 

A responsabilização diante da falta do dever de diligência é bastante complexa por natureza, considerando que cada situação deve ser avaliada casuisticamente e de forma bastante detalhada. 

Como uma forma de julgar os atos dos administradores existe o Business Judgment Rule, princípio surgido no direito norte-americano, que garante que, respeitados alguns requisitos relacionados ao dever de diligência, os membros dos órgãos de administração não poderiam ser responsabilizados pelo julgador, independentemente do resultado para a companhia ou acionistas dos atos tomados. 

Visando a aplicação do Business Judgment Rule existem quatro deveres que devem ter sido observados pelos administradores para que tal regra possa ser utilizada: (i) a decisão do administrador deve ter sido desinteressada e independente; (ii) deve ser respeitado o dever de diligência; (iii) a decisão deve respeitar a boa-fé; e (iv) não deve haver abuso de discricionariedade por parte do administrador.

Mediante o cumprimento dessas regras, o julgador, a priori, não poderia entrar no mérito da decisão tomada pelo administrador, e consequentemente não caberia a imputação de responsabilidade civil ou penal nesse sentido. 

Ante todo o exposto acima, verifica-se que o dever de diligência é inerente ao exercício de uma boa administração nas companhias, sendo elas de pequeno, médio ou grande porte. 

É muito importante que os administradores se valham de tais prerrogativas para que mesmo que as decisões tomadas não gerem resultados positivos para a companhia suas ações sejam pautadas em princípios que poderiam isentá-los de responsabilizações nesse sentido.  

O VLMA se coloca à disposição para sanar demais dúvidas acerca do tema.

 

data: junho/2022

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