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O caso Grupo Mateus e o déjà vu que expõe, mais uma vez, a fragilidade da governança no varejo brasileiro

Rafael Küster

O varejo brasileiro assistiu, nas últimas semanas, à “segunda temporada” de um enredo que parecia exclusivo da Americanas. Mais uma vez, uma grande companhia expôs fragilidades profundas em seus controles internos, revelando erros de grande magnitude e lembrando ao mercado que governança não é ornamento, é estrutura. O episódio envolvendo o Grupo Mateus reacende debates que, desde o caso Americanas, já deveriam estar definitivamente incorporados à agenda de gestão das empresas brasileiras. O Grupo Mateus, uma das maiores redes de varejo do país, divulgou uma revisão contábil que identificou um erro de aproximadamente R$ 1,1 bilhão na avaliação de estoques. A notícia provocou forte queda nas ações e levantou questionamentos relevantes sobre a maturidade dos controles internos da companhia.

 

Embora o impacto financeiro seja expressivo, o efeito mais profundo é outro: a confiança do mercado. A confiança é capital que leva tempo para ser construído, mas pode evaporar diante de falhas que poderiam ter sido evitadas.

 

O ponto central é que essa situação não surgiu de forma repentina. Em 2021, auditoria externa já havia apontado diversas deficiências nos controles internos do Grupo Mateus, com destaque para a falta de acompanhamento adequado do custo histórico de estoque. A recomendação era clara: reforçar processos, aprimorar sistemas de controle e intensificar rotinas de inventário físico. As medidas, no entanto, não foram implementadas no tempo e na profundidade necessárias.

 

A revisão atual, conduzida por nova auditoria, apenas escancarou uma fragilidade que vinha se acumulando. Isso ocorre com frequência em empresas que crescem de maneira acelerada sem ajustar sua estrutura de governança à nova escala operacional. O ritmo da expansão exige que os mecanismos de controle acompanhem a complexidade do negócio e, quando isso não acontece, a empresa perde a capacidade de enxergar seu próprio risco.

 

No centro dessa discussão está um equívoco recorrente no meio empresarial: tratar compliance, auditoria e governança como custo. Em verdade, são investimentos estruturais. São exatamente os elementos que evitam que pequenos desvios se transformem em grandes prejuízos. São sistemas que protegem a operação, fortalecem a credibilidade e sustentam o crescimento a longo prazo.

 

A lição que o caso Grupo Mateus traz para o mercado e que vale para empresas familiares, sociedades empresárias em expansão, companhias abertas e organizações de qualquer porte, é que crescer não pode significar perder controle. A expansão deve caminhar lado a lado com o fortalecimento das estruturas internas. Governança não é um departamento isolado; é uma filosofia de gestão que permeia decisões, processos e pessoas.

 

Cada recomendação de auditoria ignorada, cada inventário físico adiado, cada sistema não aprimorado representa um risco que se acumula. E, quando esse risco se materializa, o custo é sempre muito maior do que o investimento que seria necessário para preveni-lo.

 

Compliance funciona como um seguro institucional: não impede a empresa de crescer, mas garante que esse crescimento seja sustentável. A ausência de controles robustos não afeta apenas o balanço, afeta reputação, relação com fornecedores, confiança de investidores e até a capacidade de acesso a capital.

 

Em um ambiente empresarial cada vez mais sensível a transparência e solidez, a mensagem é inequívoca: governança é sobrevivência. Empresas que tratam controles internos como prioridade ganham resiliência, previsibilidade e capacidade de reação. Empresas que os relegam a segundo plano se expõem a riscos desnecessários e o mercado tem demonstrado pouca tolerância para isso.

O caso recente não é apenas um alerta; ele evidencia a importância de uma cultura organizacional que compreenda governança não como burocracia, mas como instrumento de proteção estratégica. 

 

E, para os gestores atentos, é uma oportunidade de revisar modelos internos, reforçar práticas e conduzir o negócio com a solidez que o ambiente atual exige.

 

Governança não é custo. Não é modismo.

E certamente não é obstáculo ao crescimento.

Governança é, acima de tudo, a garantia de que o crescimento será real, sustentável e confiável.

data: novembro/2025

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