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As sociedades anônimas do futebol e seu impacto no mercado do futebol brasileiro

Fernanda Klamas

Em agosto de 2021, foi aprovada Lei nº 14.193/21, responsável pela criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), modalidade empresarial que permite aos clubes de futebol a adotarem o formato de sociedade anônima, sendo uma alternativa à associação civil sem fins lucrativos.

Muitos foram os motivos que justificam a promulgação de referida Lei, porém, dentre eles, podemos destacar:

  • O alto endividamento dos clubes brasileiros;
  • A rentabilidade do futebol e das arenas poliesportivas;
  • A necessidade de profissionalização da atividade futebolística;
  • Aumentar a credibilidade dos clubes perante o mercado e melhorar os meios de financiamento de suas atividades; e
  • Fomentar a atividade cultural e educacional.

Diante disso, após quase 1 ano da aprovação da Lei, diversos clubes brasileiros vêm se movimentando nesse sentido, para usufruir dos benefícios da nova Lei. Coritiba, Botafogo e Cruzeiro são bons exemplos de times que já se movimentaram e constituíram as suas SAFs, como alternativa para receber investimentos e tratar as suas dívidas. 

Além disso, outros times já estão em processo de constituição de suas SAF’s, como é o caso de Bahia e Vasco. Esse movimento iniciou-se depois que grupos estrangeiros começaram a sondar o mercado brasileiro em busca de oportunidades de negócios, com investimentos no futebol brasileiro, de forma similar ao que acontece na Europa e em outros países, inclusive na própria América Latina.

Atualmente, devido a movimentação dos clubes, muitos comentários e notícias têm sido veiculadas na mídia nacional acerca da SAF. Mas afinal de contas, você sabe quais são as principais características e vantagens desse tipo societário? A seguir trataremos brevemente acerca do assunto.

 

REGRAS GERAIS 

De acordo com a Lei, a constituição de uma SAF pode se dar das seguintes formas: (a) pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol; (b) pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; (c) pela iniciativa própria de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento; e (d) por meio de uma operação de “drop down”, na qual o clube ou a pessoa jurídica original integralizarão parte dos seus ativos na SAF. 

Com o intuito de trazer maior confiabilidade e transparência ao mercado e impor níveis mínimos de Governança Corporativa, a legislação determinou a existência compulsória de um Conselho de Administração e de um Conselho Fiscal permanentes na Sociedade Anônima do Futebol. 

 

TRATAMENTO DAS DÍVIDAS

 Quanto ao tratamento das dívidas, a legislação esclarece que a SAF não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, sejam elas anteriores ou posteriores à sua constituição, exceto por algumas situações especiais, por exemplo a atividade que for objeto social da SAF. Além disso, enquanto ela cumprir os pagamentos previstos na Lei, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas.

Tal fato, na prática, vem sendo contraditório diante de incertezas jurídicas envolvendo o tema, como é o caso por exemplo do Cruzeiro, no qual a Justiça do Trabalho de Minas Gerais, em 1ª instância, aceitou o pedido de incluir a SAF no polo passivo de uma demanda trabalhista. Na sequência, em 2º grau, o tribunal reformou a decisão e retirou a SAF do polo passivo da referida demanda. Ou seja, foram sentenças contraditórias dentro de um mesmo Tribunal do Trabalho, que só deverá ser resolvida no futuro por tribunais superiores.

Em um ponto todos os magistrados concordam, a SAF passará a ser cobrada diretamente pelas dívidas do clube caso não cumpra as regras previstas na Lei da SAF, ou seja, repassar os 20% sobre a receita e 50% dos dividendos para pagamentos dos débitos. Além disso, se houver início de fraude ao credor, isso também ocorrerá.

Com relação a forma de sanar as dívidas, o clube poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério, por duas formas: (a) pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções; ou (b) por meio de recuperação judicial ou extrajudicial.

Acerca do pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, os procedimentos e regras estão previstos na Lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005. Nesse sentido, podemos verificar que o Coritiba, por exemplo, já se utilizou de tal artifício para fazer o seu pedido de recuperação judicial, pedido esse que foi deferido e está em andamento perante a vara de falências e recuperação judicial da capital. 

Já, o Regime Centralizado de Execuções (RCE) consiste em um procedimento para concentrar, no juízo centralizador, as execuções, as receitas e os valores arrecadados do clube, bem como a distribuição desses valores aos credores em concurso e de forma ordenada. O RCE poderá ser adotado para o pagamento integral das dívidas pelo prazo de até 6 (seis) anos, prorrogável por outros 4 (quatro) anos em caso de adequado cumprimento das metas, caracterizado através de pagamento de no mínimo 60% (sessenta por cento) do seu passivo original. 

No âmbito do RCE, podemos nos utilizar do exemplo de outro clube brasileiro, o Corinthians. Tal clube, apesar de não ter constituído uma SAF, se utilizou da Lei para protocolar um pedido, na vara de Falências de São Paulo, de adesão ao regime de execução centralizado (RCE), o que até então seria prerrogativa exclusiva da SAF. 

Tal ponto causa uma outra controvérsia na prática. Por um lado, existem advogados r juízes que entendem que o RCE, nos termos previstos na Lei da SAF, só pode ser aderido justamente para as SAFs. Por outro, alguns vêm entendendo que os clubes poderiam aderir ao RCE, mesmo sem constituir uma SAF, porém teriam que se fazer valer das regras da Lei, por exemplo, destinar 20% das receitas geradas pelo departamento de futebol para o pagamento das dívidas. De qualquer forma tal ponto ainda é muito discutido e controverso entre os tribunais e juristas. 

 

CAPTAÇÃO DE RECURSOS 

A captação de recursos no âmbito da SAF pode se dar de diversas formas, seguindo as previsões da Lei 6.404/76, a fim de buscar fomentar a atividade futebolística e a saúde financeira dos clubes. Abaixo algumas possibilidades de captação de recursos no mercado via SAF: 

  • emissão de debêntures, conversíveis ou não conversíveis (com prazo igual ou superior a 2 anos), com possibilidade de rendimentos periódicos;
  • subscrição de ações preferenciais com diferentes classes, o que garante benefícios diversos aos respectivos acionistas;
  • Emissão de Bônus de Subscrição, nos termos da Lei 6.404/76; 
  • abertura de capital na bolsa de valores;

Importante pontuar que a escolha do modelo societário não foi por acaso. A Sociedade Anônima é, em nossa opinião, o modelo societário mais versátil para captação de investimentos pelas empresas, uma vez que possui diversos mecanismos e forma de captação previstas na própria Lei 6.404/76.

 

REGIME DE TRIBUTAÇÃO

Nesse ponto, a SAF regularmente constituída fica sujeita ao Regime de Tributação Específica do Futebol (“TEF”). Além disso, nos 5 (cinco) primeiros anos da constituição da SAF, o pagamento mensal e unificado dos tributos respeitará a alíquota de 5% (cinco por cento) das receitas mensais recebidas (excetuada a receita relativa à cessão dos direitos desportivos dos atletas). Já a partir do 6º (sexto) ano a alíquota é reduzida para 4% (quatro por cento) porém a base de cálculo é alterada, considerando que as receitas relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas passam a fazer parte da receita mensal recebida para fins de cálculo. 

 

VANTAGENS 

A criação da SAF, principalmente no cenário atual do futebol brasileiro, é um passo importantíssimo para o aprimoramento da profissionalização do clube e da implementação de forte regras de governança corporativa, e, consequentemente traz diversas vantagens aos clubes, como por exemplo: 

  • Cenário atrativo para captação de recursos junto ao mercado, com diversas modalidades disponíveis;
  • Maior segurança aos investidores, uma vez que a SAF não carrega nenhum passivo da associação (pelo prazo de 6 anos, até 10 anos, quando aplicável);
  • Mecanismos legais para renegociação e pagamento de passivos da associação;
  • Fomento do departamento de futebol do clube; 
  • Pagamento de diversos tributos por meio de uma única guia;
  • Possibilidade de melhor explorar eventos culturais e sociais nas dependências no clube; e
  • Desenvolvimento Educacional e Social da população por meio do PDE. 

Diante de todo o exposto, é possível compreender que as Sociedades Anônimas do Futebol vieram para fomentar a atividade futebolística no País, que necessita urgentemente de aprimoramento nas regras de governança corporativa. Seguindo o exemplo de diversos países pelo mundo, o futebol brasileiro se moderniza e, como resultado, passa a ter mais credibilidade, auxiliando os clubes no tratamento de suas dívidas, exigindo deles a aplicação de regras de gestão empresarial e fomentando atividades socioculturais e esportivas.   

O VLMA se coloca à disposição para sanar demais dúvidas acerca do tema. 

data: junho/2022

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